sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Acampar nas praias do Rio Araguaia! Havia a mesma magia há 150 anos

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 DIÁRIO DA MANHÃ
HÉLIO MOREIRA
Frequento os acampamentos do rio Araguaia desde 1966, quando ali fui pela primeira vez; desde então, nunca  mais deixei de visitá-lo pelo menos uma vez ao ano, quase sempre na companhia da querida família Costa Campos  e, de uns tempos para cá, com a família do amigo Juarez Lobo.

Tenho tido, portanto, a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento da cidade de Aruanã, naquele tempo pretérito vivendo a efervescência do bar do Elpidio, lugar de encontro obrigatório de toda a comunidade boemia das barrancas do nosso rio; hoje,  após a dinâmica gestão do ex-prefeito Hermano de Carvalho, a cidade transformou-se, realmente, em um polo turístico de Goiás, com quase todas as comodidades necessárias ao conforto do visitante.

Sentados em cadeiras, protegidos do “perigoso” sereno, debaixo do ranchão (segundo o Juarez Lobo, não estamos mais em condições de ficarmos expostos à “intempéries”), conversávamos, Juarez Lobo, Rui Pacheco,  Omari Costa Campos e eu, sobre os tempos idos e vividos à beira do nosso rio; contei-lhes sobre a viagem que o ex-presidente  da  antiga Província de Goiás, Couto de Magalhães, fez  no ano de 1863, quando percorreu grande extensão do rio em barcos à remo.

Couto de Magalhães deixou registrado em um livro (Viagem ao Araguaia, 1863) todas as peripécias daquela viagem, inclusive com descrição do percurso percorrido entre a cidade de Goiás e Santa Leopoldina (antigo nome de Aruanã), feito em lombo de animais, com duração de sete dias. Este é o primeiro grande contraste, hoje percorremos este trecho em poucas horas, com ótima estrada asfaltada, em vias de ser duplicada.

Transcrevo um pequeno trecho da descrição da localidade de Santa Leopoldina (Aruanã), feita por Couto de Magalhães naquele seu livro:

“O Presídio de Santa Leopoldina está colocado na margem direita do Araguaia, junto à barra do rio Vermelho; é um povoado nascente e que promete próspero futuro.

Foi fundado a primeira vez, no mês de março de 1850, pelo doutor em matemática, João Batista de Castro Morais Antas, na presidência do Dr. Eduardo Olimpio Machado; destruído em 1853, foi de novo fundado  em 1855, sob a presidência do Dr. Antonio Cândido da Cruz Machado no largo dos Tigres, à margem do rio Vermelho, de onde foi removido para o lugar em que agora está, em 1856, sob a presidência do Dr. Antônio Augusto Pereira da Cunha.

Hoje conta com 30 casas, entre as quais uma com telhas; a casa da  administração tem 66 palmos de frente, 18 de altura e 45 de fundo, sendo toda construída em aroeira; a barreira do rio dista 14 braças da primeira rua de casas e deve ter outro tanto de altura”.

Quem conhece os acampamentos do rio Araguaia sabe que após a terceira cervejinha (nunca é cervejão), os assuntos variam de acordo com a inventividade do freguês, são “filhotes” que escaparam do anzol na hora de embarcar na canoa, é o pirarucu tão grande que exigiu três homens para puxá-lo para fora d’água e mais algumas outras mentiras, que sempre provocam gargalhadas homéricas.

Nosso grupinho, os da melhor idade, não fugia à regra, conversávamos sobre tudo e sobre nada, apenas pelo prazer de provocar o companheiro e colocá-lo na berlinda, inventando assuntos os mais estapafúrdios possíveis, apenas para provocá-lo, com a certeza de que logo em seguida receberá o troco; Omari Costa Campos é o mais prolixo, inventa histórias sobre acontecimentos “ocorridos” no Araguaia, alguns impossíveis de terem acontecido, como o caso do pescador, seu amigo (portanto, mentiroso como ele), que enfrentou, sozinho, uma tribo de índios na ilha do Bananal, presumindo que o mesmo venceu a porfia porque, senão, quem iria contar a história, uma vez que o dito cujo estava sozinho.

A discussão só fica séria quando alguém grita: gente! A lua vai sair!

Começa a escurecer, o sol, que não mais pode  ser visualizado mostra, ainda, sua grandeza resplandecente por intermédio dos seus últimos raios que teimam em permanecer no horizonte, desafiando a claridade da lua que duvida da sua própria força e ainda não o enfrenta; no entanto, a natureza resolve intervir e põe fim a esta disputa.

Inicialmente , o sol que até aqui lutava para manter sua hegemonia, rende-se à formosura da companheira de eternidade e mergulha, aos poucos, é verdade, porém, como se fosse um trapezista que perdeu o equilíbrio, falta-lhe sustentação e cai no abismo do poente, escrevendo mais um capítulo dos mistérios da vida.

No inicio  percebemos um clarão que surge com toda intensidade por detrás das árvores que margeiam o rio, paulatinamente descobrimos de onde vem a claridade: uma esfera, como se fora um passe de mágica, vem despontando e vai subindo aos poucos, acabando por ofuscar as estrelas que estavam nas suas imediações; agora seus raios luminosos alcançam o leito do rio e se refletem nas águas que uma brisa gentil provoca um discreto banzeiro, só visível pela câmara fotográfica dos artistas Frederico e Juliana Riccioppo.

Espetáculo inacreditável, dá-nos vontade de ajoelhar na areia e agradecer ao Grande Arquiteto do Universo que, com mãos invisíveis, sustenta a esfera luminosa na imensidão do espaço.

Para termos uma dimensão do que representa este momento para o visitante do rio Araguaia, transcrevo um pequeno trecho do livro escrito por Couto Magalhães  já citado acima:

“Ancoramos em uma das maravilhosas praias que o rio vai formando nas suas margens, na sua descida rumo ao oceano; acendemos uma fogueira e sentamos ao seu redor, enquanto um índio preparava uma tartaruga moqueada para nosso jantar. Impossível esquecer esta impressão!  O céu estava um pouco nublado, o vento soprava com delicadeza, porém, de maneira intermitente, algumas gotas de chuva caíam, sem  no entanto nos aborrecer, apesar da sua frialdade; paulatinamente, como se fora combinado, as nuvens se dissiparam e o céu tornou-se límpido.

As estrelas, distribuídas na abóboda celeste como se fossem ali colocadas pelo pincel de um artista, foram, paulatinamente perdendo a majestade da onipresença; era a lua que despontava no oriente, ainda vista de muito longe, pequena, porém já com luminosidade suficiente para suplantar suas companheiras do infinito eterno. Calma, senhora de si e da sua hegemonia, revestida do encanto mágico e também melancólico onde tem residido, eternamente, na alma de todos os sonhadores, vem subindo lá do infinito, sem nenhuma sustentação aparente. Sua luminosidade, clareando as campinas adjacentes e refletindo nas águas calmas do rio, leva-nos a sonhar, trazendo-nos vagas saudades e incertas esperanças.

A noite era silenciosa; se o indivíduo que participa, com a sua presença, deste cenário, não se acautelar, pode assumir um estado de espírito que é uma mistura de nostalgia e alegria, nostalgia pela solidão e alegria por desfrutar das benesses, como diria um meu amigo fraterno, oferecidas pelo Grande Arquiteto do Universo”.

Cento e cinquenta anos separam estas duas descrições, a magia do encantamento é a mesma!

(Hélio Moreira, membro da Academia Goiana de Letras, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, Academia Goiana de Medicina)

fonte: http://www.dm.com.br/texto/134959-acampar-nas-praias-do-rio-araguaia-havia-a-mesma-magia-ha-150-anos

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